terça-feira, 7 de maio de 2013

Carnaval - História

Este texto recebi via emal do amigo e parceiro Marcos Santana.

Maracatu-canção ameaçou hegemonia do frevo
A tentativa de impor um novo gênero musical

Jornal do Commercio 27/01/2013


Bombos, caixas, tambores, gonguês, atabaques, inúbias de um maracatu
de baque virado, acompanhando um coral de vozes masculinas e
femininas, num maracatu-canção de sucesso.

O show, transmitido dos antigos estúdios da PRA-8, a Rádio Clube, na
Cruz de Cabugá. O maracatu foi o Cruzeiro do Forte, o maracatu-canção
o Eu sou do Forte, de José Gonçalves, o Zumba. A data: 30 de janeiro
de 1936.

Esta formação, hoje impensável, aconteceu com frequência nos anos 30,
sobretudo a partir da segunda metade da década; eram incentivadas
pelos mais influentes cronistas carnavalescos, e intelectuais como
Valdemar de Oliveira, Mario Mello ou Austro Costa (poeta e
jornalista), e pela Federação Carnavalesca.

Naquela década, chegou a ameaçar o reinado do frevo-canção, e dividiu
com ele a simpatia do folião.

Para os mais fervorosos cultuadores do frevo, a variante canção não
passava de uma cópia pálida da marchinha carioca. Para eles, o frevo
verdadeiro e único era o instrumental, a marcha-frevo. Em artigo de
fevereiro e 1935, Mario Mello, entre outras coisas, jornalista,
cronista carnavalesco, e dirigente da Federação Carnavalesca,
escreveu: “Pela primeira vez o maracatu está entre nós sendo olhado
com certo carinho, pela possibilidade de, por meio de estilizações
musicais, criar-se uma nova música brasileira”.

Os sucessivos concursos, e o incentivo da poderosa federação aos
autores de maracatu-canção, em pouco tempo, levou a acumulação de um
repertório suficiente para uma “irradiação” (como então se dizia), de
um programa inteiro dedicado a este gênero musical, pela PRA-8 (a
única emissora de rádio do estado. No Jornal do Commercio, de 16 de
dezembro de 1936, noticiava-se mais uma irradiação de maracatus: “...
Os rádios ouvintes de Pernambuco e do Brasil ouvirão os sucessos
musicais do gênero como o Coroa Imperial, Eu sou do forte, O Martelo,
o Bomba Grande, o Cruzeiro do Forte, A Rainha chegou...”

Os maracatus seriam cantados por um coro feminino de “48 senhoras e
senhorinhas”, com a batucada do maracatu Cruzeiro do Forte. A
transmissão aconteceria diretamente da residência do compositor Zumba,
(na Avenida Caxangá, 2117), e seria dedicada ao deputado Carlos Reis.
No repertório, 14 maracatus-canção, entre eles Eu sou do forte
(Zumba), e Coroa imperial (Sebastião Lopes). É certo que o entusiasmo
de conservadores da elite pernambucana pelo maracatu refletia muito o
clima ideológico da época, em que o nazi-facismo ainda não tinha
mostrado sua verdadeira cara. Entre suas influências estava o
nacionalismo, o cultivo às raízes culturais.

Nada mais puro do que o maracatu, vindo diretamente da África, sem
intermediários. No frevo estavam embutidos a polca, o maxixe. Enquanto
o maracatu, o Leão Coroado, apontava Mario Mello, vinha dos tempos da
Revolução de 1817. A Federação Carnavalesca Pernambucana tinha como
mentor o todo poderoso Mr. Fischer, americano que presidia a Tramways,
companhia de transportes e eletricidade. Na linha ideológica da
entidade via-se claramente a intenção de controlar as agremiações
carnavalescas.

Este controle ia do itinerário dos desfiles, à criação de um hino do
Carnaval, que seria incorporado ao repertório de todas elas (escolhido
em concurso Evoé, de Marambá e ). O mais ousado item desta linha era
enquadrar as nações de maracatus, ainda vistas como manifestações
selvagens carentes de uma ação civilizadora. Isto pode ser constatado
num anúncio da transmissão, pela PRA-8, de um programa com o Maracatu
Cruzeiro do Forte: “... com seus instrumentos bárbaros e o seu pessoal
adestrado na execução de ruídos, motivos que caracterizam as
esquisitas modalidades daquela música”.

Uma música da qual a classe média ia aproximando, conforme atesta o
incansável Mário Melo, totalmente envolvido com a federação, da qual
foi um dos fundadores: “... Era vedado ao maracatu, e o caboclinho
passar nas principais artérias da cidade. Hoje ambos são apreciados,
as moças brancas quebram o corpo ao som do gongá do maracatu. É a
dança preferida no salão de gente nobre, graças à federação”.

Teoria da conspiração, provavelmente, mas com o incentivo da federação
aos autores de frevo para a criação do maracatu-canção, montou-se um
repertório com composições que reunia nomes como Zumba, Capiba, Irmãos
Valença, Sebastião Lopes, Marambá (o subestimado irmão de Capiba).

Lourenço da Fonseca Barbosa, Capiba, se orgulhava, em 1936, de ter
acrescentado quatro maracatus-canção à sua obra: “Cadê os guerreiros,
É de tororó, A rainha da festa e Onde o sol descamba. Em 1937, É u’a
calunga, maski um maracatu de Capiba, entrou na trilha do filme O
samba da vida, de Lulu de Barros.

Em entrevista da época, o compositor comentou: “Pretendo substituir,
daqui para o carnaval, todos os sambas pelo nossos maracatus. O
Maracatu é um gênero de música que requer muito estudo e observação,
para não confundir com os sambinhas, macumbas, cateretês, toadas. Os
meus maracatus não tem agradado bem às comissões de concursos, porém
não me é interessante fugir ao que tracei em relação a esse novo
gênero, digo a essa nova música, explorada atualmente pelos
compositores de salão”.

Capiba foi o mais-bem sucedido autor de maracatu-canção da segunda
metade dos anos 30, apesar das críticas. Como a que lhe fez,
indiretamente, o compositor, e saxofonista do Jazz Bando acadêmico,
Homero Freire, ao comentar sobre esta estilização do maracatu: “É um
gênero de música interessante. No maracatu o compositor tem mangas
para fazer algo novo e original. Noto, entretanto, pela maior parte
dos maracatus deste ano (1936), que os nossos compositores tendem a
degenerar-lo em samba”.

No ano seguinte, a Federação Carnavalesca Pernambucana pretendia que
os maracatus-canção fossem distribuídos pelas nações de maracatu, para
que os cantassem durante o préstito no Carnaval. Uma sugestão que
gerou uma polêmica nos jornais entre os caciques da folia em
Pernambuco, Mario Mello versus Valdemar de Oliveira. Os
maracatus-canção seriam distribuídos à nação cujas características do
toque tivesse afinidades com o andamento da composição.

A explicação de Mário Mello: “Quanto aos maracatus, atendendo ao fato
de que acham os mesmo divididos em dois tipos bem definidos. Um que
abrange os maracatus lentos, semelhantes ao blues estadunidenses, como
É de tororó, No yô-yô-yô-mango e Ê u’a calunga. E os maracatus do tipo
Coroa Imperial, e Eu sou do forte. A Federação resolveu distribuí-los
pelas respectivas classes de maracatus filiados. Os lentos serão
distribuídos pelos maracatus Elefante, Leão Coroado, músicas de
Sebastião Lopes, Capiba...”

“Em, sua coluna no Jornal do Commercio, Valdemar de Oliveira rebateu:
“... Ora meu Deus, como será que aquela gente do Leão Coroado há de
aprender o Ê u’a Calunga, de Capiba, com seus acordes caprichados, as
suas modulações estrangeiradas, e a sua letrinha metida à força na
melodia? É preciso evitar a poluição desta fonte puríssima pelo germe
da inspiração dos nossos compositores populares... Porque ninguém pode
dizer que criou um ritmo novo para uma dança tão entranhadamente
popular, tão profundamente racial como é o maracatu.

Duvido que os nosso negros dancem nos seus terreiros o É de tororó ou
o Eh u’a calunga. Não dançará, porque o andamento é outro. Coisas
assim é que roubam ao seus maracatus o sabor primitivo do legítimo
maracatu pernambucano.

(José Telles)

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