domingo, 20 de setembro de 2009

Sons de uma vida

(texto do amigo Heraldo Palmeira. Disponível em http://www.heraldopalmeira.com/)

Nos meus primeiros anos de vida me apaixonei perdidamente pelo rádio. Afinal, televisão no interior do Nordeste daqueles tempos era algo parecido com pé de cobra: a gente sabe que existe porque a bicha anda, mas nunca se viu um só diante do olho. Desde que me entendo por gente, há um rádio por perto. E do rádio veio outra paixão absoluta: a música. Dessa segunda paixão, a guitarra me saltou fascinante aos olhos.



Como cresci nos anos 60 e 70, obviamente as guitarras elétricas eram ícones poderosos para qualquer rapazote daqueles tempos. Em qualquer banda, os guitarristas eram os músicos mais dotados de argumentos cênicos, talvez pela própria vocação solista das guitarras. Como as meninas enlouqueciam por eles, todos nós queríamos ser guitarristas mesmo sem qualquer talento para uma missão estelar dessa.



Claro que já havia Beatles e suas já lendárias Epiphone, Gretsch e Rickenbacker. As Rickenbacker até viraram símbolos do pop britânico dos anos 60. Mas o reino das seis cordas de aço tinha outras concorrentes poderosas e também espetaculares: Fender Stratocaster, Fender Telecaster e Gibson Les Paul.



A Les Paul, a primeira guitarra de corpo maciço, foi criada a partir de experiências iniciadas em 1941 pelo americano Lester William Polfus nas oficinas do visionário Epaminondas Stathopoulo, que herdou do pai grego Anastasios uma empresa familiar fabricante original de alaúdes, banjos e bandolins, de onde nasceria a Epiphone Company, hoje subsidiária da Gibson Guitar Corporation.



Polfus, que começou a tocar gaita aos oito anos, tornou-se músico profissional aos 13 e ficou mundialmente famoso como Les Paul, um guitarrista de altíssimo nível técnico que extrapolou os limites do ofício de instrumentista ao contribuir para a arte e a ciência da música, e para o desenvolvimento do seu mercado produtor.



Corria 1948 e Les Paul iniciou uma experiência na própria garagem, que terminou encampada pela gigante Capitol Records. Utilizando discos de acetato, o guitarrista gravou uma trilha em um desses discos. A seguir, fez rodar o primeiro disco e gravou ao mesmo tempo uma nova parte da música num segundo disco, e assim sucessivamente. Nessa primeira experiência, Paul descartou cerca de 500 discos de acetato com os resultados que não aprovou. Mais adiante, ele avançou tecnicamente dessa sobreposição de sons para as gravações com trilhas em canais paralelos, mantida até hoje em qualquer tecnologia de gravação musical.



Les Paul morreu agora, aos 94 anos, em Nova York, como um grande revolucionário. Não bastasse ter criado uma guitarra que muitos consideram a mais fabulosa de todas, mudou o princípio das gravações musicais em estúdio e inaugurou a era - que perdura até hoje - de se multiplicar sem limites execuções instrumentais e vocais, para produzir uma mesma música.



Mereceu da fábrica Gibson, com plena justiça, a homenagem em forma da guitarra modelo Les Paul, disponibilizada em diversas versões e o instrumento musical mais popular da marca. Uma concorrente definitiva para outra lenda, a Fender Stratocaster criada pelo também mestre Leo Fender, com quem duela ao longo de décadas pelas mãos dos melhores guitarristas da história da música.

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